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Dom Quixote, parte da história espanhola

18:46 A leitora 2 Comentários Categoria : , , , , ,

O tema do momento no blog, como vocês podem observar pelos posts do mês anterior, é um dos melhores livros do mundo: O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, ou, simplesmente, Dom Quixote. Por isso, disponibilizo aqui uma brave contextualização histórica da obra, falando sobre a época que serve de "pano de fundo", de "cenário" para a narrativa fantástica de Cervantes e, tão importante quanto, um pouco sobre o autor deste verdadeiro patrimônio da humanidade.



I - O Século de Ouro da Espanha
É consenso entre os historiadores e a gente culta em geral que o século16 foi o Século de Ouro da Espanha. Não só em razão das sensacionais descobertas náuticas feitas pelos seus marinheiros da Andaluzia e da Galícia, ou de capitães-do-mar que se colocaram ao serviço da coroa castelhana, como também pelo esplendor do poder dos seus monarcas e seus artistas. Foi o século em que viveram Carlos V, Filipe II, El Greco e Miguel de Cervantes. Para muitos espanhóis toda a história posterior do país resumiu-se num registro da decadência, de como a Espanha e os espanhóis, desapontados, jamais poderiam reviver aquilo que fora de ouro e que agora lhes cabia as durezas da Idade do Ferro.

A esplêndida herança de Filipe II
Felipe II, retrato de Antonio Moro
     Poucos príncipes europeus daqueles tempos do Renascimento poderiam exibir o patrimônio que Filipe II herdara do seu pai, o imperador Carlos V, o Carlos de Gantes. Na verdade, nenhum deles poderia gabar-se de um legado igual. Aos 55 anos de idade, sentindo-se enfraquecido e cansado de uma vida inteira percorrendo países em viagens ou navegando em oceanos e mares atrás de batalhas, o imperador Carlos, do Sacro Império Romano-Germano, que por 40 anos movera-se como se fosse um cigano, sem lar nem pátria, decidira dividir seus domínios e retirar-se para um mosteiro em Yunes na Espanha.
       Para o seu irmão Fernando, legou o título de imperador do Sacro Império Romano-Germano e as terras da Áustria, para o seu filho Filipe II entregou o reino da Espanha, os Países Baixos e todas as terras do Novo Mundo. Foram milhões de quilômetros quadrados, ocupados por centenas de cidades e milhares de aldeias, povoados por um número incalculável de gente de todas as raças e diversas religiões que ficaram sob administração do jovem príncipe, sim, porque Filipe já governava a Espanha pelo menos desde os 16
anos de idade.
        Ainda em 1580, alegando direitos dinásticos, ele estendeu seu domínio sobre Portugal, cujo rei, o jovem D. Sebastião, morrera sem herdeiros, fazendo com que assim a península Ibérica tivesse por fim um só soberano, como o fora no tempo dos imperadores romanos, quando a Ibéria, quase que por inteira, era obediente ao César de Roma.

É um grande complexo, que inclui palácio, mosteiro, museu e biblioteca, localizado em San Lorenzo de El Escorial, situado a 45 km de Madri, na Espanha. Foi mandado construir pelo rei Filipe II deste país, o mesmo que assumiu o governo de Portugal, após o desaparecimento da dinastia de Aviz. A obra iniciou-se em 1563 e já sob a direção de Juan de Herrera, foi concluida em 1584.

Os grandes problemas do reino
         Herdou do pai as possessões, que eram imensas, mas também seus problemas, por igual, gigantescos. No Novo Mundo, os conquistadores espanhóis espalhavam-se desde a bacia do Mississipi, no norte, até quase a Araucária, bem ao sul. Englobaram ao império dos Áustrias, como os espanhóis chamavam a dinastia que os governava, milhões de indígenas que pertenciam a múltiplas nações (astecas, mexicas, maias, incas, guaranis, etc...), a quem moviam guerra ao tempo em que, alternando a espada com o catecismo, os atraiam para a conversão ao cristianismo. Era o fronte pagão da Espanha católica.
       Na Europa, Filipe II teve que enfrentar os progressos da Reforma Protestante que havia convertido grande parte dos seus súditos ao norte dos Países Baixos, na Holanda de hoje. Carlos V, seu pai, não conseguira reverter em Worms, em 1520, o furor teológico anticatólico desencadeado pelo monge Lutero, o que resultou nas insurgências religiosas da Europa setentrional. Abraçando a causa da Contra-Reforma, Filipe tornou-se o guardião da Igreja Católica, o condestável do papado, “a espada de Deus” erguida contra a
heresia.
         A tentativa de disciplinar seus súditos dos Países Baixos, aplicando-lhes os rigores do Tribunal do Santo Ofício, isto é, da Inquisição, somada ao aumento dos impostos, provocaram a rebelião nacional dos holandeses, convertidos em grande parte ao calvinismo e ao anabatismo, contra a presença espanhola. O resultado da repressão desencadeada pelo Duque de Alba, durante os anos de 1567 a 1574, fazendo uso do Tribunal do Sangue, foi apenas ter acelerado a separação da Bélgica (que permaneceu católica e fiel à monarquia) e a Holanda (protestante e democrática), oficializada em 1579.
       Outro desafio que Filipe herdou foi o enfrentamento contra os turcos otomanos, de longe a maior ameaça que pairava sobre o mundo cristão. Potência no Mediterrâneo Oriental desde que Constantinopla fora conquistada no século 15, o império do sultão procurava expandir-se pelo restante da bacia mediterrânea, pondo em perigo as terras cristãs. Desta feita, a gente da Cruz saiu-se vitoriosa frente aos seguidores do Profeta, visto que na batalha de Lepanto, a esquadra hispano-papal comandada por João da Áustria, irmão de Filipe, impôs uma histórica derrota a esquadra turca num golfo grego, no ano de 1571.

Batalha de Lepanto [Londres, National Maritime Museum]
LETTER, H.
Joseph Nasci; Lepanto; Império Otomano 

Um reino em guerra
       Por conseguinte, o reino da Espanha estava em guerra permanente: os conquistadores, com seus arcabuzes, cavalos e seus cães labregos, lá do outro lado do Mar Oceano, nas terras da América, submetiam os indígenas pagãos; os soldados-apóstolos do Duque de Alba, por sua vez, tentavam estancar a heresia na Holanda, enquanto que no Mediterrâneo os marinheiros tornavam se cruzados lutando contra os infiéis que seguiam a bandeira do Crescente. 
       Daí entender-se o porquê do sucesso da literatura de cavalaria, o motivo de os espanhóis serem fascinados pelos relatos fantásticos dos feitos de Amadis de Gaula, de Rolando, ou de qualquer outro personagem daqueles célebres romances medievais que tanto Cervantes logo iria fazer mofa. Meterse em aventuras, conquistar um nome, assombrar as gentes com feitos impensáveis, tornar-se um herói, passou a ocupar o imaginário deles todos, inclusive do rei Filipe II, que também era admirador de tal literatura de gesta.


II - Miguel de Cervantes



O basta de Cervantes

      Para o até então desconhecido escritor Miguel de Cervantes, um castelhano de Alcalá de Henares, tais histórias mereciam um basta. Fartara-se daqueles relatos fantásticos em que um cavaleiro andante, num só golpe de espada, partia um gigante ao meio ou lutava sem esmorecimento contra cem ou duzentos outros. E o que dizer da sensaboria das inatingíveis donzelas ou damas, sempre recolhidas, vendo o mundo atrás de frestados, em permanente perigo, ameaçadas por forçadores e outros perversos, que os cavaleiros se esbaldavam em salvar ou pôr-se a serviço? 
      Para Cervantes não era bem aos cavaleiros que se deveria desencantar; nem aos bruxos, feiticeiros e nigromantes, seus pervertidos dons extirpar, mas sim ao próprio público leitor, bestializado por aqueles feitos malucos.


Quem era Cervantes
Miguel de Cervantes Saavedra
      Qual seu arsenal para se atrever a tal desafio? Sabe-se pouco sobre Cervantes. Nascido em 9 de outubro de 1547, tentou alcançar a fama como soldado. E quase o conseguiu. Na infernal batalha naval de Lepanto, de 1571, quando a Cristandade, liderada por D.João D´Áustria, irmão de Filipe II, recuperou o controle sobre o Mediterrâneo, portou-se valentemente. Só que o tiro do arcabuz de um turco lhe secou a mão esquerda.
       Na volta para casa infelicitou-se ainda ao passar, depois de capturado, cinco anos como escravo em Argel. O pai o resgatou por 500 escudos, em 1580. Pobre e anônimo, jogou-se às letras. Na sua tarefa desmitificadora, foi ajudado por dois acontecimentos colossais: a propagação da Contra-Reforma e a destruição da Invencível Armada em 1588. Doravante o mundo não seria só dos católicos e muito menos dos espanhóis. Calejado pela vida, desconfiado das certezas humanas, forrado em leituras mil, Cervantes foi à luta.






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2 comentários

  1. UAU!
    AMEI o Post! De verdade, eu adoro esse tipo de inferência de uma obra, em história.
    Quando fazia espanhol, estudei Miguel de cervantes, li Dom Quixote, e adoreei..
    Achei muito legal mesmo suas observações! :D

    beeeeijoo, Nayanne =*
    http://www.bookaholicworld.com/

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  2. Olá, parabéns pelo Blog. Adoramos aqui!
    Já estamos seguindo!
    Quando puder retribui?
    http://allstargt.blogspot.com

    XOXO, @gladimir_taii *-*

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