Leio, logo indico: Destino
Alguns acreditam que há uma história já escrita para cada um de nós, que determinadas coisas acontecem e hão de acontecer independente das condições, das variáveis; independente dos “meios”, os “fins” já estão traçados. Talvez essa ideia de “Destino” não seja tão diferente de empregar a palavra com o sentido de "rumo", ou "finalidade", afinal, se a vida é uma jornada, estamos caminhando em direção há algo e, de uma forma ou de outra nos deparamos com nosso "ponto de chegada", nosso destino. No entanto, a diferença é que no primeiro caso temos o desconhecido à frente, sem saber o que o amanhã nos reserva; no segundo temos a vontade, os desejos, as escolhas.
Na obra literária de Ally Condie, uma genuína distopia, os leitores acompanham as tramas que conduzem ao destino de Cássia Reyes, uma jovem que começa uma nova fase da vida e, ao mesmo tempo, recebe um presente antigo: palavras. Perceber o poder das palavras mediante o significado que damos a elas é a verdadeira questão - e “destino” é certamente uma dessas palavras, mas para Cássia, até então, com apenas um sentido; durante sua vida, e de todos que ela conhece, sempre houve apenas uma opção, pois as histórias já estão traçadas, porém não pelo acaso: “No futuro, a Sociedade escolhe”.
Ao iniciar a leitura é estranho pensar em ter sua vida controlada de tal forma e aceitar isso como natural, porém é exatamente assim no mundo onde Cássia vive, para todos isso é o melhor que pode ser, exatamente como deve ser. Ao analisar a situação (é um livro que proporciona muito material para tais “análises”), tudo parece perfeito: uma vida saudável, longevidade, sem pressões e inquietações sobre que profissão seguir ou como encontrar o seu companheiro(a) ideal! Tudo é certo, fácil... perfeito. Mas se há algo que prendi lendo distopias é a duvidar da “perfeição” (Scott Westerfeld que o diga).
Vendo a grosso modo (o modo preguiçoso, medroso e conformista, é claro), é tão mais fácil não ter que escolher, não é mesmo? Dá a impressão de que todos são eternas crianças, sem preocupações, pois sempre vão lhes dar o melhor para que cresçam saudáveis, sem correr riscos, "protegidas". Mas se tudo ficasse assim não haveria história, é preciso uma personagem que se dê conta de que por trás do controle em prol do equilíbrio da sociedade há também uma bolha, que os isola do mundo de verdade.
Como primeiro volume da trilogia, Destino é sobre ver, ouvir e, por que não, ler: as entrelinhas, os sinais. Sim, pois por vezes a leitura me pareceu um jogo, onde as cartas estão sendo postas no tabuleiro, as regras apresentadas. Entretanto, o "adversário" já domina tudo isso (é o seu jogo), agora é a vez de Cássia observar e descobrir as pistas que lhes darão base para disputar o controle de sua própria vida e, quem sabe, mudar mais do que a si própria.
O que mais gostei (além da criatividade da autora em si) foi dos personagens secundários – a família Reyes, Xander, Ky e até a amiga problemática e apagada de Cássia, Em. Todos são intrigantes, deixam aquele desejo de saber mais sobre eles, descobrir os seus segredos, vê-los se libertar (acho até ansiava mais pela liberdade deles do que da própria Cássia), queria vê-los agir, na verdade foi exatamente disso que senti falta durante a leitura como um todo: ação. Mesmo que sempre tenha algo acontecendo desde a primeira página, é mais como um jogo mental.
Ademais, preciso dizer que algumas coisas me incomodaram muito (além da má formação do imperativo nas falas dos personagens: é “fale”, não “fala”!) nas regras da sociedade, uma delas, mais especificamente sobre os idosos, deixou-me angustiada, se eu vivesse em um mundo assim, tal “regra” me daria a sensação de estar sendo lentamente asfixiada. Nesse aspecto cheguei a ficar com um pouco de raiva de Cássia e de todos os outros, ficava pensando “não é possível que vão ser tão passivos!”. É difícil falar sobre esse livro sem spoilers, tenho vontade de discutir sobre ele... então “sorry” pelo desabafo incoerente ^^.
Antes de ler o livro eu tinha uma ideia bem diferente sobre ele, o foco está menos no romance do que eu imaginava. Não era segredo para ninguém que a famosa formula do “triângulo” seria utilizada, mas aqui não se trata da escolha de um amor, mas sobre escolher quem você que ser. De qualquer modo, o romance está ali e, como tudo, está sob os “olhos da sociedade” (até parece que estou falando daquelas vizinhas fofoqueiras, mas acreditem, é pior rs), e eu não poderia deixar falar sobre ele.
Pela primeira vez não consegui escolher um lado (team Xander x team Ky), cada atitude, cada decisão de Cássia me causava uma dor no coração, mas também despertava compreensão. E o pior de tudo é que a garota não demonstrou tanta dúvida quanto deveria (pode isso? Comecei a perguntar se ela de fato tinha um coração #PoorXander). No final acho que quase me decidi, quase (prefiro esperar pelos próximos capítulos), pois além de ambos serem muito bonitos e inteligentes (qualidade com grande peso), também são corajosos, cada um a sua maneira. Ky é também enigmático, desafiador (mesmo que de um modo velado) e com uma história de vida sofrida que desperta muito sentimentos; Xander, por outro lado, é amigo, leal, vivaz, dedicado e perspicaz, mesmo sem ter recebido a devida atenção nesse livro, conseguiu conquistar minha simpatia e mostrou que tem muito mais a revelar. Ou seja: difícil!
Conclusão: “Destino” cumpre seu papel enquanto distopia, faz o leitor pensar não só sobre o que lê nas páginas do livro, mas também sobre o que há fora delas. Parece um segredo entre a autora e o leitor, juntos na mente do personagem, descobrindo trechos secretamente guardados ali (um jogo metalinguístico), que te faz querer ler para saber o que eles querem te dizer no final. Destino semeia ideias, não oferece tudo o que o leitor quer saber, é apenas o inicio. É irônico dizer, mas Destino é o ponto de partida, não o final, já que só no próximos capítulos dessa história é que começará a "Travessia".
Recomendado? Espero que sim.
Até a próxima ^.~
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